Quando começou a
devoção mariana? A pergunta é legítima. E a resposta é imediata e segura: a
devoção a Maria começou com o próprio cristianismo. Observemos os factos.
Entremos na pequena
Casa de Nazaré, a casa das nossas origens e das nossas primeiras memórias. Eis
o que encontramos: o Anjo Gabriel mandado por Deus, aparece a Maria e diz-lhe: «Salve,
ó cheia de graça, o Senhor
está contigo!» (Lc
1, 28).
Com estas palavras
que vêm do Céu começa a devoção mariana. Quem pode negar a evidência deste
facto? E quando Maria, única guardiã do anúncio do Anjo, se apresenta a Isabel
depois da longa viagem da Galileia até à Judeia, acontece outro facto singular.
Isabel ouve a saudação de Maria e percebe que o menino «salta» de alegria no
seio, enquanto um frémito do Espírito Santo a atravessa e lhe sugere palavras
de rara beleza e de surpreendente compromisso.
Ei-las: «Bendita és tu
entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. E donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor? Pois, logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino saltou de alegria no meu seio. Feliz
de ti que acreditaste, porque se vai
cumprir tudo o que foi dito da parte do Senhor» (Lc 1, 42-45). É a segunda expressão
de devoção mariana registada no Evangelho.
Não se diga então – como
às vezes acontece – que a devoção mariana nasceu depois de muitos séculos, por
uma espécie de entusiasmo mariano da Igreja Católica. Não, isto não é verdade!
A devoção a Maria está registada no Evangelho e nasceu com o Evangelho. Depois,
se seguirmos os passos de Maria maravilhados, podemos recolher pessoalmente
outras flores fresquíssimas de devoção à Mãe de Deus.
Vamos até à narração
do Natal. O Evangelho de Lucas refere: “Quando os anjos se afastaram deles em direcção ao Céu, os pastores disseram uns
aos outros: «Vamos a Belém ver o que aconteceu e o que o Senhor
nos deu a conhecer». Foram
apressadamente e encontraram
Maria, José e o menino deitado na manjedoura» (Lc 2, 15-16).
Pensais que os
pastores, após se terem ajoelhado diante do Menino, não tenham lançado a seguir
um olhar à Mãe e não tenham sussurrado alguma palavra? Não é legítimo pensar
que os pastores tenham exclamado: «Feliz és tu, Mãe deste Menino!»? Era uma
expressão de devoção mariana.
Passemos ao
evangelista Mateus, que narra a chegada dos Magos em Belém e usa estas palavras
textuais: «E a estrela que tinham visto no Oriente ia
diante deles, até que, chegando ao lugar onde estava o menino, parou. Ao ver a
estrela, sentiram imensa alegria; e,
entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe.
Prostrando-se, adoraram-no» (Mt
2, 9-11).
Podemos, sem muito
esforço, imaginar a grande emoção dos Magos, os quais, após uma longa e aventurosa
viagem, tiveram a alegria de ver o Menino... tão esperado e desejado! Porém,
não nos afastamos da verdade dos factos, se imaginarmos também que os Magos,
depois da adoração do Menino, tenham olhado para Maria e lhe tenham dirigido
palavras de admiração: também esta é devoção mariana... percebida nas
entrelinhas do Evangelho!
Prossigamos o nosso
caminho... e cheguemos às bodas de Caná. Conhecemos toda a encantadora história
da festa das bodas, na qual Maria intervém ao mesmo tempo com delicadeza e
decisão para salvar a alegria dos noivos. Os servos, que conheciam o exacto
suceder-se dos factos, certamente aproximaram-se de Maria e disseram: «Jesus
escutou-te! Fala-lhe de nós e pede uma bênção para as nossas famílias!». Também
estas eram autênticas flores de devoção mariana.
E os noivos não
retomariam com Maria o discurso das bodas e da água transformada em vinho?
Certamente teriam dito a Maria: «Obrigado! A tua intervenção salvou a nossa
festa. Continua a orar por nós!».
Assim começa a
devoção mariana. E continua nos séculos sem interrupção. Limito-me a dois
testemunhos.
A Basílica da
Anunciação em Nazaré teve origem com o abatimento de uma construção levantada
pelos franciscanos em 1700. O Pe. Bellarmino Bagatti (1905-1990), um dos
maiores arqueólogos bíblicos do século XX, «aproveitou» a demolição para
reconstruir a história arquitectónica do lugar de culto. Antes de mais, pôde
estabelecer que não era verdadeiro (como muitos defendiam) que naquele lugar
houvesse túmulos romanos e que, portanto, pudessem surgir – por motivo de pureza
– habitações hebraicas. Com efeito, descobriu-se que não havia sepulcros mas,
ao contrário, traços muito evidentes de casas de gente do lugar.
De qualquer
modo, ficou confirmado que o edifício do século XVIII – como já se sabia – foi
erigido sobre uma igreja bizantina. Mas, nisto, houve uma maravilhosa surpresa:
sob a igreja bizantina descobriram-se os restos de um lugar de culto da
primitiva comunidade judaico-cristã. Eis o facto extraordinário: sobre a grande
base rebocada de uma coluna, utilizada para sustentar o tecto da
igreja-sinagoga, encontrou-se a inscrição, em caracteres gregos XE MAPIA,
abreviatura de K(àir)e Maria, que significa: «Alegra-te, Maria!».
É a mais antiga
invocação a Nossa Senhora, encontrada na mesma casa onde Ela viveu. Numa coluna,
um peregrino tinha deixado outro sinal da sua passagem, um grafito devocional
em língua grega, que rezava assim: «Neste santo lugar de Maria escrevi». Noutro
pilar, uma palavra em arménio antigo: «Virgem bela».
Como vedes, a devoção
mariana desabrocha no Evangelho e do Evangelho: na própria Nazaré!
Mas há mais. Em 1917,
no Egipto, a John Rylands Library de Manchester (Inglaterra) – talvez a
biblioteca mais rica de códigos do Novo Testamento – comprou um lote de papiros
provenientes, com bastante probabilidade, do Baixo Egipto. Um deles, com dez
linhas de texto em grego, mutilado na margem direita e com uma rasgadura no
alto à esquerda (com dimensões de cerca de 14 centímetros
por 9,5) foi publicado somente vinte anos depois, em 1938. Praticamente, reconhece-se
com unanimidade hoje que aquele texto não pode ser datado além do terceiro
século: a data mais provável é por volta do ano 250.
Encontramo-nos, pois, perante
a mais antiga oração mariana testemunhada por um papiro.
A fim de mostrar a
importância daquelas antiquíssimas palavras, damos uma tradução delas, que foi
possível realizar, integrando o texto onde estava mutilado, graças à liturgia
da Igreja copta que, no mesmo Egipto de onde provém o texto, continuou a ser
utilizado no seu culto, sem interrupção ou qualquer variação.
Eis O texto: «Sob a
tua misericórdia nos refugiamos, ó Mãe de Deus [Theotòlae]: as nossas orações não desprezes nas desgraças, mas do perigo livra (nos): tu a
única pura e a [única] bendita».
Pois bem, antes de
1938, excluía-se um culto «oficial» da Virgem Maria anterior ao primeiro
Concílio ecuménico, o de Niceia, realizado no ano 325. Depois, quanto ao termo Theotókos
(Mãe de Deus), os especialistas negavam que pudesse ter sido utilizado
antes da célebre definição do Concílio de Éfeso, em 431. E, pelo contrário, eis
que o humilde pedaço de papiro egípcio desloca em quase dois séculos para trás
a data de Éfeso, que era citada como se fosse um termo peremptório.
A verdade histórica
é: Maria, a partir das palavras empenhadas pronunciadas pelo Anjo Gabriel, foi
imediatamente olhada com admiração. E logo a sua intercessão foi invocada por
motivo do seu particular vínculo com Cristo: o vínculo da maternidade!
Portanto, quando
recorrermos a Maria para a invocar com filial confiança, não nos encontraremos
fora do Evangelho, mas totalmente dentro dele.
Mons. Ângelo Comastri
Vigário-Geral
do Santo Padre
para
o Estado da Cidade do Vaticano