segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Fu Xi, o inventor dos Oito Trigramas


Antigamente, havia um Estado chamado Hua Xu Shi situado ao Noroeste da China, era sulcado por um largo e sinuoso rio, chamado pelos habitantes que viviam nas suas margens de rio do Trovão.

Mas, por que lhe chamavam, eles rio do Trovão? Segundo conta a lenda, a nascente deste rio era o lago do Trovão - um grande lago onde vivia o deus do Trovão, um ser inconstante que passava de uma enorme alegria para uma fúria completa.

 Assim, também o rio mudava de caráter de acordo com os caprichos do deus, as vezes correndo tranquilo com a superfície das suas águas mansas, tal como um espelho, brilhante onde se refletiam as varias paisagens de ambas as margens e, outras vezes, convertendo-se subitamente em um avassalador caudal, destruindo casas, alagando plantações e arrastando tudo em seu redor - os rugidos da sua impetuosa corrente faziam um barulho ensurdecedor e a terra tremia. Então, o povo dessas paragens compreendia que o deus do Trovão estava em cólera.

Assim, o rio do Trovão continuava provocando calamidades ano apos ano, sem que ninguém soubesse o que fazer e sem ninguém que se atrevesse a pedir uma audiência ao deus do Trovão implorando-lhe que partisse do lago do Trovão de volta para o Céu. Ora, na margem do rio do Trovão vivia um casal de anciãos com uma única filha chamada Hua Xu. Ela era uma jovem tão inteligente e bonita como corajosa e bondosa mas, como todas demais filhas únicas, acostumada a fazer sempre as suas próprias vontades.


Um dia, o deus do Trovão ficando mais furioso que nunca, provocou uma terrível inundação. O casal de anciãos disse, suspirando: - Oh, mas quando irão terminar estas calamidades?!

As inundações voltaram a arrasar nossas casas recém-construidas e a engolir todos os nossos gados.
- É preciso que alguém vá ao lago do Trovão protestar contra este maldoso deus! - disse Hua Xu indignada.

- Mas, minha filha - retorquiu o canal, abanando desconsoladamente as suas cabeças - o deus do Trovão é um tirano e o melhor é não nos atrevermos irritá-lo!
- Como todos os outros deuses celestes, o deus do Trovão deveria igualmente viver no Céu. Por que está ele na Terra provocando calamidades aos seres humanos?! Vou é discutir com ele! - declarou a filha, decididamente.

- Não sejas teimosa, minha filha! Já se passaram muitos anos, mas até a data ninguém jamais se atreveu a ir ao lago do Trovão. E, tu, tu... - replicaram-lhe os Dois, tentando persuadi-la.
A jovem permaneceu silenciosa mas, pelos seus lábios apertados e o enérgico olhar fixo, os pais puderam adivinhar que ela já tinha tomado a sua decisão.

Assim, poucos dias depois, Hua Xu deixou a sua aldeia e os pais e começou a caminhar pela margem acima do rio do Trovão em direção a sua nascente. No caminho colheu frutos selvagens com que mitigou a sua fome e matou a sua sede bebendo água do rio sempre caminhando, caminhando sem parar. Ao fim de vários dias apareceu-lhe subitamente pela frente um imenso lago de profundas aguas negras - era o lago do Trovão. A jovem debruçou-se observando as temíveis Aguas quando, de repente, irrompeu de entre ondas altas e impetuosas um monstro de rosto humano e corpo de dragão.



Assustada, Hua Xu recuou uns passos e escondeu-se detrás de uma grande arvore, mas, inadvertidamente pisou em uma grande pegada e sentiu-se transfixa em uma posição imóvel.
- Como te atreves a vir à minha divina residência! - falou o monstro em uma voz de Trovão.
E, sem mesmo esperar uma resposta da jovem, o deus Trovão saltou fora das aguas para a margem do lago e, apanhando a jovem, levou-a nos braços para o seu palácio no fundo do lago.

Embora amplo e grandioso, o palácio do deus do Trovão era despojado de mobílias. Em um trípode estava pendurado um grande tambor e, ao lado deste, estava reclinada uma gigantesca baqueta, sendo estes os instrumentos com que o deus provocava trovoes. Quando, frequentemente, viajava voando para o Céu tocava o seu tambor, ouvindo-se em simultâneo o ribombar dos trovões na Terra. Por vezes, quando ficava bêbado, também tocava este tambor no seu palácio dando então lugar a impetuosas ondas, tanto no lago como no rio, o que causava graves calamidades.

- Como te atreves a vir a minha divina residência?! - repetiu o deus a sua pergunta.
- Vim aqui para discutir contigo! - respondeu-lhe a jovem em um tom tranquilo. - Tanto o Imperador Celestial como os deuses do Vento, dos Relâmpagos e todos os demais vivem sempre no Céu. Gostaria que me explicasses por que e que tu insistes em estabelecer a tua residência aqui na Terra?
- Porque... porque me apetece! - replicou confuso o deus do Trovão em um ar arrogante.

- Mas, sabes porventura, que tens vindo a causar desastres consideráveis aos habitantes que moram nas margens do rio do Trovão? - retorquia a jovem mostrando-lhe a sua indignação.
Perante as palavras argumentativas de Hua Xu, o deus do Trovão, apesar da sua crueldade e violência, não conseguiu encontrar nenhuma replica imediata, admirando antes a coragem da jovem e sentindo-se ficar arrastado, apaixonadamente, pela sua presença.

- Então, esta bem! Em breve partirei de novo para o Céu; no entanto, ponho uma condição: quero que aceites ser minha esposa. De qualquer maneira, já não tens quaisquer possibilidades de regressar a tua terra natal - disse-lhe o deus do Trovão a meia voz. Admirada, a jovem quedou-se pensativa com um ar hesitante e o deus do Trovão aproveitou para acrescentar em um tom suave:



- Fica tranquila que daqui para diante tratar-te-ei como mereces.

Ao ver que o deus do Trovão tinha aceitado cumprir o que ela lhe pedia, Hua Xu decidiu casar-se com ele; este, a partir de então, passou a trata-la sempre com a maior das bondades e desvelos e, contendo-se de soar o tambor desnecessariamente, o lago e o rio passaram a ter uma serena tranquilidade.

Um ano depois, Hua Xu deu à luz um filho e o deus do Trovão preparava-se para, definitivamente, regressar ao Céu conforme tinha prometido, acompanhado pela mulher e pelo filho. Mas, Hua Xu, pensando na sua próxima partida, começou a ter fortes saudades da sua terra natal e dos pais. Decidiu que, como ela mesma nunca mais haveria de ter possibilidades de regressar ao mundo, pelo menos o seu filho deveria crescer no Estado de Hua Xu Shi.

Assim, um dia, aproveitando um momento em que o deus do Trovão se tinha ausentado, a jovem colocou a criança dentro de uma grande cabala, colocando depois esta no rio e deixou-a ser levada pela corrente.
Aconteceu que nesse dia, o pai da jovem se encontrava pescando no mesmo rio e, com o passar do tempo, fitando as aguas que corriam mansas, o ancião sentindo-se saudoso da filha, começou a chorar copiosamente quando reparou que, arrastada pelas forças das aguas, se aproximava dele uma grande cabala.

Estranhando as suas dimensões, o ancião retirou-a do rio e levou-a para casa onde se decidiu a enceta-la a sua mulher. Mas, assim que o casal a talhou, saiu de dentro desta uma rosada e anafada criança envergando uma camisa bordada de flores.



- Que milagre! - gritaramos dois em uníssono. - E a camisa da nossa filha!
Seguidamente, examinaram detalhadamente os traços da criança que com a sua larga testa, a sua alva pele e as suas bem pronunciadas sobrancelhas escuras, era extremamente semelhante a sua filha. Não havia nenhuma duvida de que o imberbe era o seu próprio neto!

Este inesperado acontecimento veio dar uma grande paz-de-alma aos anciãos que tinham ficado com o coração dilacerado, primeiro, com o afastamento da sua única filha e depois com a ausência de noticias. O inesperado acontecimento propagou-se de boca em boca e, tendo vindo muitas pessoas felicita-los e para recordarem o auspicioso aparecimento do neto, os avos deram-lhe nome de Fu Xi, significando que tinha sido oriundo de uma cabala.
Fu Xi, filho do deus do Trovão e da jovem Hua Xu, cresceu rapidamente e em breve se distinguiu, consideravelmente, das demais pessoas pela sua altura gigantesca, inteligência e bravura, mas o mais extraordinário era que Fu Xi tinha o poder de subir ao Céu pela "escada celeste".

Segundo uma lenda dos tempos mais remotos, a Terra e o Céu estavam ligados por uma gigantesca árvore chamada Jian Mu que, colocada no centro da Terra, era como uma "escada" natural. Esta arvore, ao contrario de todas as outras, não produzia sombra sob os raios do Sol e, ao longo do seu tronco, caíam milhares de lianas biparas em forma de cordas que constituíam a "escada celeste", por onde os deuses desciam do Céu a Terra e vice-versa. No entanto, os seres humanos não tinham a habilidade de subir ao Céu por esta "escada". Fu Xi, sendo filho de um deus, podia subir e descer facilmente por ela.

Fu Xi amava muito a pátria onde tinha crescido e o seu povo, com quem tinha convivido desde criança. Graças a sua inteligência sobrenatural ele tinha contribuído, de inúmeras maneiras, para o seu progresso, tal como: ter inventado um habilidoso método de fazer redes de pesca inspirado pelas teias das aranhas, ter introduzido a preparação dos alimentos a quente refutando uma dieta frutívora - os seus companheiros chamando-o, respeitosamente, de Bao Xi, que significa "o melhor cozinheiro" - etc. A maior das suas contribuições foi, no entanto, a criação dos Oito Trigramas que representam os oito estados da natureza:



(Qian) o céu;
(Kun) a terra;
(Kang) a água;
(Li) o fogo;
(Gen) a montanha;
(Zhen) o Trovão;
 (Xun) o vento;
 (Dui) o lago.
 
Fu Xi explicou aos seres humanos a essência de todos os aspectos universais contidos nos Oito Trigramas e as inter-relações entre estes. Se os humanos aprendessem a dominar as características, relações e conversões entre os aspectos universais implícitos nos Oito Trigramas e controlassem as suas respectivas funções, estes poderiam, tal como os deuses, evitar muitos dos prejuízos causados pelas calamidades naturais e utilizar corretamente todas as coisas ao serviço do progresso e harmonia de todos.
 
Segundo uma lenda, no processo de domar as aguas, Da Yu tinha antevisto uma grande e escura gruta no monte da Porta-do-Dragão e querendo conhecer detalhadamente o seu interior, tinha entrado nela empunhando um archote quando, de repente, das suas profundezas lhe surgiram dois grandes ursos. Um deles agarrava na sua boca uma perola reluzente que iluminava o interior da gruta tal como se fosse pleno dia, enquanto o outro acenava com a cabeça em direção ao exterior dando a entender a Da Yu que os seguisse.

 Depois de caminharem cerca de Dez Li Da Yu chegou a frente de um palácio e, no momento em que ele estava surpreso por tal aparição, os dois ursos transformaram-se em dois guardas envergando uniformes pretos pondo-se de sentinela. No centro do salvo principal do palácio estava sentado um deus com face humana e corpo de dragão, que Da Yu imediatamente reconheceu não ser outro senão Fu Xi, o filho do deus do Trovão e da jovem Hua Xu. Da Yu saudou-o então respeitosamente, e pediu-lhe que desse o seu parecer sobre a melhor maneira de dominar as águas ao que Fu Xi, ficando muito honrado por tal intercessão, lhe deu uma placa de jade na qual se encontrava gravado o plano de Oito Trigramas.



- Para se dominar as águas - desse-lhe Fu Xi - é preciso conhecer-se bem a topografia das montanhas e dos rios assim como os níveis das águas e dos terrenos. Não basta arrasarem-se montanhas deixando livre a passagem das correntes, escavarem-se terras para se drenarem as águas ao mar ou construírem-se cliques e pontes; é preciso conhecer-se as suas respectivas e intrínsecas características. Só através do conhecimento destas e pondo em prática os seus princípios básicos, Segundo o que est[a prescrito na placa de jade e de acordo com as indicações do plano de Oito Trigramas, as águas serão dominadas e a humanidade será salva da sua miséria.

Assim, graças aos Oito Trigramas, Da Yu conseguiu definir as topografias das montanhas, dos terrenos e dos rios e dominar radicalmente as águas.

Segundo uma outra lenda, muitos anos depois, na época da Dinastia Yin, quando o soberano despótico Zhou ocupava o trono, um seu ministro chamado Ji Chang (posteriormente eleito rei com o nome de Zhou Wen Wang) apresentou-lhe, respeitoso, um construtivo criticismo a proposito da tirania das suas ações, tendo por isto sido preso pelo monarca e encarcerado em Youli. 

Aproveitando o tempo solitário desses dias angustiados, o ex-ministro dedicou-se ao estudo dos Oito Trigramas e, combinando as suas próprias experiências com os preceitos dos princípios, veio a estabelecer uma serie de ensinamentos ainda mais profundos. Ao anotar estes ensinamentos em anexo ao plano dos Oito Trigramas, compilou assim O Zhouyi (Livro sobre as Mudanças) fazendo com que os futuros estudiosos compreendessem melhor as diversas mudanças da natureza e da sociedade.

Tomando em consideração as grandes contribuições de Fu Xi em relação ao bem-estar futuro da humanidade, o Imperador Celestial nomeou-o rei do Estado de Hua Xu Shi. Graças as suas capacidades sobrenaturais, ao seu enorme talento e as imprescindíveis ajudas dos seus valiosos ministros, o governo de Fu Xi trouxe grande prosperidade ao pais.

 Ju Mang, o seu ministro da agricultura, era um ser de rosto humano e corpo de ave, extremamente competente e altamente respeitado pelo povo. Todos os anos, no principio da primavera, ele voava pelos quatro cantos do globo, medindo as terras a serem cultivadas e mobilizando pessoas para as lavrar e semear - tendo por isso ficado conhecido como o deus da primavera.

Conforme os anais históricos, o Estado de Hua Xu Shi era nessa altura um pais tal como o paraíso na Terra, todos os seus habitantes sendo conhecedores de astronomia e sendo capazes de predizer as mudanças climatéricas, conhecendo também as propriedades das montanhas, dos rios, dos terrenos e das plantas, e obtendo, infalivelmente, ótimas colheitas todos os anos. 

As pessoas viviam, também, até uma adiantada idade, muitos anciãos tendo mais de 100 anos. Neste paraíso terrestre as águas não afogavam os mortais, nem o fogo os queimava, nem as brumas e as nuvens lhes toldavam a vista, nem os trovoes lhes prejudicavam os ouvidos; podendo estes, inclusive, atravessar as montanhas e os rios com a mesma facilidade com que se deslocavam nas planícies.

 Graças ao entendimento total do plano dos Oito Trigramas de Fu Xi, os habitantes do Estado de Hua Xu Shi conseguiram possuir capacidades sobrenaturais e assim levarem uma vida ideal. Mesmo nos tempos atuais aqueles que se dedicam ao estudo dos Oito Trigramas tem vindo a afirmar que muitos dos conhecimentos adquiridos através destes, podem inspirar as pessoas a conhecer melhor e dominar mais seguramente as leis da natureza.

Fonte: http://www.mitologia.templodeapolo.net/

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