Há
muito tempo atrás, havia no reino de Tiro um rei, Agenor, cuja filha
era muito bela. O nome dela era Europa, e Zeus apaixonou-se perdidamente
por sua beleza.
—
Que linda mulher! — exclamava o deus dos deuses, cuidando, no entanto,
para não ser ouvido por Hera, sua ciumenta esposa. — Tenho de possuí-la,
a qualquer preço.
Movido
por essa determinação, Zeus decidiu utilizar-se de seu estratagema
principal, ou seja, o de se metamorfosear em algum ser ou coisa. Por
alguma razão, Zeus jamais aparecia diante das suas eleitas na sua forma
pessoal, preferindo assumir sempre outra aparência qualquer. Assim,
depois de muito pensar, decidiu transformar-se num grande touro, branco
como a neve. Completada a transformação, Zeus desceu a Terra envolto
numa grande nuvem.
Em
uma das praias do rei de Tiro e pai de Europa, um rebanho dócil de
touros pastava num relvado próximo ao mar sem que ninguém percebesse,
uma grande nuvem foi se aproximando, ate que dela desceu o grande touro,
indo colocar-se em meio aos demais. Os seus novos colegas de rebanho, a
princípio assustados com aquela súbita aparição, abriram um espaço
assim que ele pousou sobre a grama. No entanto, como o alvo touro se
mostrasse manso e dócil, teve logo sua presença admitida, sem maiores
contestações.
Ali
esteve misturado aos demais, contrastando em relação ao pêlo escuro dos
outros touros, ate que de repente a bela Europa surgiu com suas amigas,
rindo e cantando por entre as areias da praia. As suas companheiras
eram belas, também, mas assim como Zeus destacava-se em seu rebanho, a
filha de Agenor destacava-se em meio ao seu encantador e animado grupo.
Era uma manhã luminosa, o sol brilhava sem ferir os olhos, e o céu tinha
um tom manso e azulado como os olhos do touro, que observavam, atentos,
a aproximação de sua amada.
— Vejam só que belo rebanho! — exclamou Europa, ao ver os bois ajuntados. — Mas o que será aquela mancha branca em meio a eles?
A
jovem, destacando-se do grupo, avançou correndo, levantando a barra da
sua túnica rendada, que lhe descia ate um pouco abaixo dos joelhos.
Quando chegou perto de Zeus, seus seios arfavam sob a fina gaze de suas
vestes. Os grandes olhos azuis do touro branco pousaram sobre a face
corada de Europa, de tal modo que a moça não pode deixar de observar o
seu intenso brilho.
— Um touro branco! — disse a moça, encantada. — E que lindos olhos ele tem!
Todas
as amigas ajuntaram-se em torno ao animal, que, no entanto, tinha seus
grandes olhos azuis postos somente sobre a bela filha do rei. A moça,
postando-se ao lado dele, começou a alisar o pelo sedoso de seu dorso
branco, enquanto admirava os seus pequenos e delicados cornos, que
tinham o brilho cristalino das melhores pérolas. Embora o aspecto do
animal fosse suave, a sua musculatura era rija, o que Europa pôde
comprovar ao alisar o seu pescoço.
Alguns espasmos musculares percorriam
o pêlo do touro a cada vez que Europa o acariciava. De vez em quando o
animal inclinava a cabeça, fazendo-a deslizar discretamente pelo flanco
de Europa, erguendo com suavidade suas vestes. A filha de Agenor,
contudo, permitia tais liberdades por julgá-las apenas um brinquedo
inocente do magnífico animal.
Retirando-o
do grupo, Europa levou-o para passear nas areias da praia, dando-lhe
com as mãos algumas flores, que o touro comeu alegremente. Depois, ele
pôs-se a correr ao redor da moça, enquanto as outras o perseguiam,
fazendo-lhe festas e agrados.
Como
o sol começasse a se tornar quente demais — pois era o auge do verão —,
as moças, cansadas momentaneamente da brincadeira, despiram-se para dar
um breve mergulho no mar. Europa, entretanto, preferiu ficar na areia, a
brincar com seu touro branco.
Assim, enquanto suas amigas banhavam-se,
Europa colhia outras flores, compondo com elas uma bela grinalda que
depositou em seguida sobre os chifres do animal. Depois, montada sobre
as suas costas, foi conduzida por ele num trote manso. Enquanto o animal
a levava, emitia um pequeno mugido, em sinal de orgulho e satisfação.
As
amigas de Europa, entretanto, ao verem a nova diversão que a filha do
rei inventara, saíram todas correndo do mar, num passo rápido que fazia
balançar seus pequenos seios molhados. Zeus, porém, ao vê-las avançarem
para si, temeu que fossem desalojar Europa das suas costas. Realmente,
logo uma delas tocou a cabeça do touro, com a mão coberta de sal: —
Vamos, Europa, deixe-nos andar um pouco! — disse a moça, impaciente.
Zeus,
porém, aproveitando a relutância que Europa manifestava em descer,
lançou-se para a frente, num salto ágil, tomando o rumo do mar.
— Ei, esperem, aonde vão?... — exclamou uma das amigas de Europa, com as mãos pousadas na cintura.
Zeus,
surdo aos gritos, arremeteu em meio às mulheres que avançavam pela
água, obrigando-as a se afastarem, assustadas, para todos os lados.
—
Socorro! — gritava Europa, estendendo-Ihes as mãos, apavorada com o
Ímpeto repentino do animal. O touro, entretanto, avançava mar adentro,
deixando atrás de si as mulheres pela praia, a sacudir os braços,
impotentes. Imaginando que o touro enlouquecera, temeram que tanto
Europa quanto o animal terminariam afogados, logo que ultrapassassem a
rebentação. Surpreendentemente, porém, o touro rompeu as ondas,
lançando-se num trote ainda mais ágil do que aquele que usara nas areias
fofas da praia. E assim se afastou cada vez mais da praia, enquanto
Europa procurava manter-se agarrada aos chifres de seu seqüestrador.
—
Pare!... Para onde está me levando? — perguntava Europa enquanto o
touro permanecia firme no seu galope, saltando sobre as ondas com a
mesma destreza de um golfinho. Vendo, porém, que o animal parecia
determinado a conduzi-la para algum lugar, Europa começou a clamar por
socorro, invocando a proteção de Netuno:
— O deus dos mares, veja em que aflição me encontro! — disse a moça, recebendo em seu corpo o vento e as ondas geladas.
De
repente, porém, tendo já avançado imensamente pelo oceano, o touro
voltou para trás a cabeça e começou a conversar com a assustada Europa.
—
Nada tema, bela Europa! — disse o animal. — Eu sou Zeus e a levo comigo
para a ilha de Creta, onde casaremos e você será honrada com uma
ilustre descendência.
Europa,
mais calma, manteve-se agarrada aos chifres de seu futuro marido.
Dentro em pouco chegaram ambos a ilha que o deus dos deuses anunciara.
Tão logo teve os pés postos sobre o chão outra vez, Europa viu o touro
branco assumir a forma esplendorosa de Zeus. Impaciente, o deus supremo
carregou-a para dentro da ilha, enquanto Europa ainda tentava ensaiar
alguma reação. Das núpcias deste casal surgiriam três lindos filhos,
dentre os quais Minos, futuro rei de Creta.
Fonte: mitologia.templodeapolo.net
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