Há milhares de anos atrás, na antigüidade mais remota
do povo grego, nas terras da Beócia, nasceu Narciso, filho do rio
Cefiso, que tomara à força a ninfa Liríope. Narciso era belíssimo e sua
mãe, ansiosa por saber-lhe o futuro, procurou um famoso adivinho: o cego
Tirésias. Na luz de sua escuridão Tirésias viu e disse:
- Narciso terá vida longa contanto que não se conheça
nunca!
Liríope nada entendeu e mesmo consultando os mais
sábios, não conseguiu decifrar o enigma daquelas palavras. Enfim,
esqueceu a profecia. Narciso cresceu com os traços e as formas de um
deus. Assediado pelas ninfas fugia de todas entretido com os jogos de
caça, indiferente ao sofrimento das paixões não correspondidas que
despertava.
Um dia, porém, cansado de longa jornada, quedou-se na
relva à beira de um lago e, inclinando-se a fim de beber, pois tinha
sede, eis que na superfície estática da água, deparou-se Narciso com o
reflexo perfeito do próprio rosto, coisa que nunca vira antes em toda a
sua vida. Extasiou-se. Nas palavras de Ovídio, assim reagiu o jovem,
enamorado de si mesmo:
"...o rosto fixo, absorvido com esse espetáculo, ele
parece uma estátua de mármore de Paros. Deitado no solo, contempla dois
astros, seus próprios olhos, e seus cabelos, dignos de Baco, dignos
também de Apolo, suas faces imberbes, seu pescoço de marfim, sua boca
encantadora e o rubor que colore a nívea brancura de sua pele. Admira
tudo aquilo que suscita a própria admiração. Em sua ingenuidade, deseja
a si mesmo. A si mesmo dedica seus próprios louvores. Ele mesmo inspira
os ardores que sente.
Ele é o elemento do fogo que ele próprio acende. E
quantas vezes dirigiu beijos vãos à onda enganadora! Quantas vezes, para
segurar seu pescoço ali refletido, inutilmente mergulhou os braços no
meio das águas. Não sabe o que está vendo, mas o que vê excita-o e o
mesmo erro que lhe engana os olhos acende-lhe a cobiça.
Crédula criança,
de que servem estes vãos esforços para para possuir uma aparência
fugitiva ? O objeto de teu desejo não existe. O objeto de teu amor,
vira-te e o farás desaparecer. Esta sombra que vês é um reflexo de tua
imagem. Não é nada em si mesma; foi contigo que ela apareceu, e
persiste, e tua partida a dissiparia, se tivesses coragem de partir."
Mas Narciso não partiu. Ali permaneceu, paralisado de
amor pela imagem aprisionada no espelho d'água. Não comia, não bebia
para não se afastar por nem um segundo da imagem no lago, não dormia.
Definhou. Morreu, afinal, de fome, de sede, de exaustão.
Depois de
morto, ainda assim não teve paz: nas profundezas do Hades, Narciso
continua sua auto-contemplação debruçado às margens do rio Estige. Na
superfície da terra, nos bosques, as ninfas pretendem fazer as
cerimônias fúnebres mas eis que o corpo desapareceu e no seu lugar
brotou a flor amarela e branca que hoje conhecemos pelo nome daquele que
amou somente a si mesmo.
Fonte: sofadasala.com
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