Na primeira reunião da Sociedade Espírita de Paris, após as exéquias de Allan Kardec, os membros presentes emitiram a idéia de se levantar um monumento que fosse testemunha da simpatia e do reconhecimento dos espíritas em geral à memória do inolvidável mestre. Essa aspiração, humana mas sincera, ganhou vulto e em pouco tempo a ela aderiu grande número de correligionários da França e de outros países europeus.
Ficou estabelecido, de comum
acordo com Madame Allan Kardec, que a maneira mais racional de
simbolizar o homem que foi a simplicidade encarnada, seria levantar-lhe
um monumento por excelência simples, e que lhe recordasse também o
pseudônimo gaulês – Allan Kardec. Foram então buscar no passado, entre
os monumentos sepulcrais célticos ou druídicos, simples como os povos
primitivos que os elevaram aos seus mortos, a representação ideal do
túmulo de Kardec.
Tais construções funerárias
cobrem, até hoje, o solo da antiga Bretanha e se acham espalhadas em
toda a Europa Ocidental, no norte da Europa, na bacia do Mediterrâneo,
no Irã, na Líbia, na Índia, no Extremo Oriente (especialmente o Japão),
na Ásia, etc., permitindo crer que o uso desses monumentos megalíticos
era quase universal.
E como, de todas as crenças mais remotas, é o
druidismo, praticado pelos antigos iniciados gauleses, uma das que mais
se identificam com alguns princípios fundamentais da filosofia
espirítica, especialmente a reencarnação, muito felizes foram, pois, os
discípulos do eminente fundador do Espiritismo na escolha do monumento
druídico para perpetuar-lhe, na pedra, o nome e a obra.
Projetada a construção de um
dólmen, que figurava, no fundo, simplicidade, universalidade e
eternidade, confiaram esse trabalho ao talentoso escultor francês
Charles Romain Capellaro, bastante conhecido no mundo das artes,
expositor premiado nos Salões de Paris, desde 1860, e que aceitava os
princípios fundamentais do Espiritismo.
Adquiriu-se no Cemitério do
Père-Lachaise (administrativamente conhecido por Cemitério do Leste) um
terreno situado na confluência de duas aléias (44ª divisão) e a uma
altitude de onde se domina todo o campo de repouso, e logo se pôs mãos à
obra.
Já quase terminados os
trabalhos, procedeu-se à exumação dos despojos mortais de Allan Kardec e
sua transferência para a nova morada.
No dia 31 de março de 1870,
pelas duas horas da tarde, os espíritas inauguravam o monumento
dolmênico levantado em memória de Allan Kardec. De imponente
simplicidade, aquele túmulo “fala aos olhos e à alma a linguagem dos
séculos desaparecidos, evocando a lembrança das antigas gerações que
consagraram por seu culto e por suas sepulturas as crenças reencontradas
pelo Espiritismo moderno”.
Na inauguração fizeram uso da
palavra, em eloqüentes expressões de reconhecimento e gratidão, as
respeitáveis figuras do Espiritismo na França: Levent, Desliens,
Leymarie e Guilbert.
O dólmen de Kardec, simples e
severo em suas linhas, é constituído de três pedras de granito bruto em
posição vertical (esteios), sobre as quais repousa uma quarta pedra
tabular (mesa ou chapéu) em suave declive para trás, de modo a
delimitarem, todas elas, um espaço (câmara), de cujo centro se eleva um
pedestal quadrangular, igualmente de granito, no topo do qual está
colocada a herma, em bronze, de Allan Kardec, executada por Capellaro.
Na face dianteira do referido pedestal lêem-se as seguintes inscrições:
Fondateur de la Philosophie
Spirite. – Tout effet a une cause. Tout effet intelligent a une cause
intelligente. La puissance de la cause est em raison de la grandeur de
l’effet. – 3 Octobre 1804 – 31 Mars 1869.
No bordo frontal da pedra que,
pesando seis toneladas, serve de teto, achasse gravado o apotegma que
resume a doutrina kardequiana, de justiça e progresso:
Naître, mourir, renaître encore et progresser sans cesse telle est la loi.
Tendo sido sepultada nesse mesmo
dólmen, em 1883, a veneranda companheira de trabalho do Codificador,
gravou-se, na face esquerda do pedestal que suporta o busto de Kardec, o
nome da viúva: Amélie-Gabrielle Boudet, seguido das respectivas datas
de nascimento e morte.
Uma corrente de grossos elos, a simbolizar a união em torno de Kardec, liga as pilastras de sustentação da chamada “mesa”.
O Cemitério do Père-Lachaise, o
mais importante de Paris, “verdadeiro museu” segundo a expressão de
certo escritor, encerra maravilhosas sepulturas que ilustres artistas
ergueram em homenagem a celebridades da música, das ciências, do teatro,
da pintura, da literatura, da política, da filosofia, da guerra, etc.
Sendo uma das necrópoles mais
visitadas em todo o mundo, e isto desde a sua inauguração, em 1804,
ainda hoje atrai a admiração dos turistas que vão à Cidade Luz.
Nesses últimos cinqüenta anos, o
dólmen de Kardec tornou-se como que o ponto obrigatório dos visitantes
do Père-Lachaise, sejam eles espíritas ou não.
A imprensa de várias nações tem
salientado essa curiosa preferência, explicando-a quer pela forma
original do sepulcro, quer pela divulgação sempre crescente do nome
Allan Kardec, quer, ainda, pela profusão de flores depositadas junto ao
dólmen, a demonstrar, de conformidade com as palavras de Samuel Smiles,
que “os homens verdadeiramente grandes e bons nunca morrem, nem mesmo
neste mundo”.
Edmundo Lys, ilustre jornalista e
cronista, que por muitos anos abrilhantou as páginas do jornal
guanabarino O Globo, disse, certa vez, que o túmulo de Kardec, no
Père-Lachaise, bem cuidado e florido, era o único que realmente
permanecia vivo no meio de todos aqueles mortos.
Em 1959, a prestigiosa revista
norte-americana – Holiday, editada em Filadélfia, publicava em seu
número de janeiro o artigo de J. Bryan – “Paris: The Bust end the
Chain”, ilustrado com fotografias, e no qual o jornalista vivamente
recomendava, aos turistas em Paris, duas atrações inesquecíveis: o
pôr-do-sol emoldurado pelo Arco do Triunfo, e o dólmen de Kardec.
Posteriormente, a conhecida
revista Horizontes, da capital mexicana, num interessante trabalho
intitulado “Defuntos de Paris”, assim assinalava:
“Dos notas curiosas, entre
otras, del Père Lachaise: el sauce sobre la tumba de Musset, como el
poeta pidió em una de sus poesias, y la tumba del fundador del
espiritismo como doutrina, Allan Kardec (Hipólito Rivail), perennemente
cubierta de flores por sus adeptos.
Bem recentemente, os leitores da
folha francesa Coopérateur, de 11 de novembro de 1967, puderam fazer
uma peregrinação aos principais cemitérios de Paris através de longo
artigo do jornalista Clément-Chavardês. Ao percorrer o Père-Lachaise,
ele confirmou que “o túmulo mais solicitado é o de Allan Kardec, chefe
dos espíritas” (la tombe la plus demandée est celle d’Allan Kardec, chef
des spirites), fato que não lhe era desconhecido, consoante suas
próprias palavras:
“Eu sabia que Kardec atraía
gente de todas as classes sociais, que vinha de longe, até do
estrangeiro, para entregar-se a meditações junto ao seu túmulo cercado
de rosas e dálias.”
Desde 1870, espiritistas de
várias partes do mundo, inclusive do Brasil, têm-se reunido anualmente,
no dia 31 de março, diante do dólmen, em homenagem e reconhecimento a
Kardec, numa demonstração patente de que os sacrifícios do missionário
francês não foram em vão e que ele permanece tão vivo no passado quanto
no presente.
Fonte: Reformador de fevereiro de 1969, p. 32-34=
http://avidanoalem.blogspot.com.br
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