terça-feira, 25 de dezembro de 2012
A Umbanda
Para compreendermos as origens da Umbanda precisamos entender que o mundo não se resume só nas atividades, nem na cultura que observamos à nossa volta. Cada país, cada povo, possui seu atavismo cultural, sua bagagem histórica.
Atavismo é o conjunto de valores morais, físicos e culturais que cada nação possui e que foram herdados das gerações antecedentes. Essas experiências são passadas de geração a geração, mantendo ao longo da história, uma gama de características comportamentais que identificam os povos e as nações.
Carl Gustav Jung (Suíça, 1875-1961), eminente estudioso do psiquismo humano, afirmou que o atavismo é provocado por um mecanismo que ele denominava “inconsciente coletivo”, cujos conteúdos são arquétipos, isto é, representantes comuns dos instintos nas diferentes culturas.
É nesse sistema que os costumes, conhecimentos e valores dos antepassados se deslocam pelo hábito e por uma espécie de espírito conservador para as gerações vindouras. Chega-se a dizer popularmente que os jovens possuem no “sangue” muitos valores e defeitos dos seus antepassados.
Ora, nós espíritas sabemos que a alma não herda caracteres morais ou intelectuais daqueles que se constituíram em pais carnais do indivíduo. Portanto, o inconsciente coletivo é mesmo um mecanismo de transferência de valores.
Para se entender a Umbanda é preciso primeiro compreender como foi formada a sociedade brasileira e quais são suas raízes étnicas. Uma seita, culto ou religião, instala-se num dado grupo social quando encontra elementos culturais favoráveis à sua proliferação.
Quais são, pois, as características sócio-culturais da sociedade brasileira?
Vejamos: Sabe-se que no Brasil existe uma mistura muito grande de raças. Se, por um lado, esse fato deixou o brasileiro sem identidade definida, por outro fez com que a nação se transformasse num verdadeiro berço, onde qualquer Espírito encarnado encontra espaço para suas realizações. Daí a facilidade para frutificar idéias religiosas de diversificadas tendências.
Quem chega ao país, depois de certo tempo acaba sentindo-se em casa, dada a diversidade de raças e costumes. No princípio, no entanto, não foi assim. Ao desembarcar no continente no ano de 1500, os colonizadores portugueses encontraram aqui uma significativa nação indígena. No passar do tempo,
esses povos foram dominados e subjugados pelos conquistadores europeus. O reflexo desse domínio perdura até os dias de hoje na forma de perseguições, abandono e preconceitos contra as tribos
aborígenes.
Pode-se, pois, afirmar que a primeira raiz do povo brasileiro é o índio.
Habituados à vida na natureza, os silvícolas não se adaptaram ao que os brancos queriam com sua diferente cultura e reagiam como podiam ao trabalho escravo, imposto pelos novos donos da terra. As “capitanias”, imensas fazendas feudais, deveriam produzir riquezas destinadas à Coroa Portuguesa. Mas faltava mão de obra. Os índios não se mostravam dispostos a servirem de força de trabalho.
Onde se poderia arranjar trabalhadores capazes de cumprir com as obrigações do campo? Na Europa certamente não seria. Ninguém por lá estava disposto a deixar as delícias da Corte para encarar o serviço braçal numa terra quente, cheia de mosquitos, doenças e outras coisas mais, a não ser os degredados, e obviamente porque lhes era imposto. Tiveram então a idéia de buscar na África o elemento negro. Não tendo razões lógicas para convencer esses irmãos a deixarem sua terra, empreenderam verdadeiras caçadas, caracterizadas pela forma desumana com eram executadas.
Nascia o tráfico de escravos negros. E, eles foram trazidos para o país em grande quantidade. Muitos dos que embarcavam nos imundos navios negreiros, nunca chegavam a desembarcar na terra tupiniquim, pois ao serem tratados como animais, adoeciam e era atirados aos tubarões para que não contaminassem o resto da “carga”.
O negro: eis a segunda raiz de nossa gente!
Antes do aparecimento do povo brasileiro, cada uma dessas duas raças, o índio e o negro, já trazia particularmente sua história milenar e, com ela, um patrimônio cultural e religioso. Ao misturarem-se, pela convivência, com a cultura européia trazida pelos descobridores, pelos aventureiros e mais tarde pelos imigrantes, deram origem ao conhecido “povo brasileiro”.
A Umbanda foi fundada no Brasil por razões diversas. Uma delas é essa bagagem religiosa atávica que nos liga ao passado do negro e do índio (pretos velhos e caboclos). Ela teve facilidade para crescer nesse sítio espiritual.
Outra razão, foi a de desenvolver junto ao povo, um trabalho mais voltado para os interesses imediatistas, popularescos.
A Umbanda também nasceu em terras brasileiras para atuar na solução de certos processos obsessivos, não alcançados pela prática espírita da época: a magia negra.
A DOUTRINA ESPÍRITA E O POVO
A Doutrina Espírita, Consolador prometido por Jesus, tendo como representante humano a figura de Allan Kardec, apoiou-se no pensamento e na cultura européia. Seria muito bom que tais ensinamentos fossem absorvidos por todos os povos, de modo a direcionar-lhes a vida e o futuro, mas a realidade tem se mostrado outra: o “povão”, que forma o grosso da massa humana no Brasil, não absorve seu conteúdo como o desejado.
Prefere outras formas religiosas mais afinizadas com suas condições atávicas e conforme seu grau de desenvolvimento espiritual. A tradição católica, por exemplo, é muito forte em nosso meio, embora a maioria das pessoas que dizem professar essa religião, só o façam nas aparências.
O Espiritismo, como a experiência demonstra, deu seus melhores frutos junto às classes mais intelectualizadas, mais sintonizadas com o espírito europeu. O povo brasileiro sofreu uma influência atávica secular, onde os valores religiosos foram basicamente aqueles introduzidos pelo índio, pelo negro e pelo catolicismo.
Boa parte da população tem dificuldades para compreender as finalidades do Espiritismo. Antes confundem-no com toda ordem de seitas que lidam com o elemento espiritual. Isto é perfeitamente compreensível, pois sendo uma doutrina bastante nova no mundo, levará tempo para que as pessoas possam compreender seus verdadeiros objetivos. Alia-se a isso a imaturidade de espírito de um povo já secularmente arraigado a princípios religiosos dogmáticos e sectários, pode-se entender quais dificuldades encontraria a Doutrina Espírita para se firmar no seio do povo brasileiro.
Embora diga-se o contrário, o Espiritismo ainda não foi bem compreendido entre nós. Ainda somos minoria e mesmo entre os espíritas, existe uma certa dificuldade em compreender os nobres propósitos dessa doutrina de libertação do Espírito. O povo, de uma maneira geral, não se beneficia do melhor que o Espiritismo tem a oferecer que é o estímulo às mudanças do indivíduo.
Encara a Doutrina apenas como uma “religião” que faz muita caridade, devido as características assumidas pelos primeiros adeptos no país. Mas, com o tempo, e com a maturidade do povo, essa visão se modificará e o Espiritismo poderá exercer a influência salutar entre os povos, que poderá modificar a face do planeta, se assim o quisermos.
O CANDOMBLÉ
Os negros africanos, ao chegarem ao Brasil, trouxeram um culto primitivo, oriundo de sua pátria, conhecido como Candomblé. Aparentemente de maneira infantil, cultuavam alguns deuses chamados por eles de “orixás”. Essas divindades seriam, por um lado, ligadas à natureza e por outro aos homens.
Praticantes seculares do mediunismo, os negros adeptos do Candomblé, não aceitavam e não aceitam até hoje, a “incorporação” em seus médiuns de Espíritos de “mortos”. No Candomblé um Espírito errante é chamado de “egum”.
Nos terreiros de Candomblé, só se manifestam mediunicamente as divindades chamadas de “orixás”. O Panteão Africano constitui-se basicamente por sete Orixás Maiores e ainda por muitos Orixás Menores. Os primeiros, são voltados para o lado mais divino da obra de Deus. Os últimos, são mais ligados à própria criatura humana.
Os “orixás”, ao presidirem a própria natureza através de seus agentes, trariam em si características de personalidade que os ligariam a determinados estados evolutivos da espécie humana. A vibração provocada pelo tipo de personalidade de um certo indivíduo, vai colocá-lo sob a influência de determinado “Orixá”. Diz-se, então, que ele é oriundo daquela faixa psíquica, ou como fazem no Candomblé, que ele é “filho de Santo”.
Os Orixás maiores são:
OXALÁ – Símbolo da natureza religiosa, santificada. Não é Deus, mas está abaixo Dele, presidindo seus desígnios. Para os iniciados é o Cristo, para os umbandistas, Jesus. Na natureza, liga-se aos céus e tudo o que nele há.
IEMANJÁ – Símbolo da natureza feminina, da beleza e da reprodução. Na natureza, liga-se às águas do mar. No sincretismo, Nossa Senhora.
XANGÔ – Símbolo da justiça. Envolve o cumprimento da lei de causa e efeito, com os seus “agentes” de naturezas diversas. Segundo os estudiosos, é esse orixá que dá origem à justiça terrena. Na natureza liga-se às montanhas. No sincretismo, seria São Jerônimo.
OGUM – Simboliza a idéia de trabalho, de luta, de guerra, de vitória. Na natureza, liga-se aos metais. No sincretismo, é São Jorge.
OXÓSSI – Simboliza a natureza jovem, de homens e mulheres, a alegria saudável, a energia jovial. Na natureza está ligado às matas. No sincretismo, é São Sebastião.
IORIMÁ – é símbolo de maturidade, de serenidade, amor, compreensão e humildade. Na natureza, liga-se à movimentação das águas, cachoeiras etc. É o estado de experiência do velho. No sincretismo, é São Cipriano.
IORY – Traz em si a natureza infantil. Representa as vibrações inocentes da criança, sua simplicidade etc. Na natureza, simboliza a alegria existente nas matas, nos rios, nos lagos etc. No sincretismo, é Cosme e Damião.
Essas variedades de divindades formam o mundo dos Orixás, dos sentimentos, com o qual cada criatura possui sintonia em determinada faixa, segundo o grau evolutivo que atingiu em sua ascensão espiritual. Mas, conforme o Candomblé, existe outro lado espiritual, de uma natureza ruim, onde as mentes se encontram em desequilíbrio: é o reino de Elegbara. Na Umbanda é conhecido como mundo de Exu e na Igreja católica, como região do Diabo.
A origem dos orixás, segundo as lendas do povo africano, é a fragmentação do pensamento criativo, quando este, por sua vontade, vai presidir a criação de determinado orbe. Os orixás não estariam sujeitos à evolução, embora fossem ligados aos Espíritos que o estão, pela afinidade vibratória que os caracterizam.
Filhos do grande “Olorum” (Deus Pai), os “orixás” seriam cumpridores de Sua vontade, em plano mais grosseiro. As histórias narradas pelas lendas, à primeira vista parecem infantis, mas quase sempre elas possuem fundamentos lógicos.
Infelizmente, tudo o que veio da África está atualmente muito diluído, misturado à prática de adivinhações, de baixa magia e de rituais inconsequentes. Entretanto é importante que se compreenda as origens dessa crença a fim de que se tenha uma visão mais completa do que ela representa em nossa cultura.
O CANDOMBLÉ E A UMBANDA
O Candomblé, ao desembarcar no País com os escravos, encontrou aqui um outro culto de natureza mediúnica, chamado “Pajelança”, praticado pelos índios nativos em variadas formas. Em ambos os cultos havia a comunicação de Espíritos. Os jesuítas, incumbidos de “doutrinar” os índios e depois o negro, proibiram que estes últimos cultuassem seus “deuses” pátrios. Naquela época não havia liberdade religiosa.
Os escravos, por não terem outra alternativa (os açoites falavam alto), construíam altares com imagens e gravuras dos santos do catolicismo. Nas práticas exteriores, chamavam-nos segundo a vontade dos padres, mas em sua intimidade associavam essas imagens aos orixás que evocavam fervorosamente. Era a única forma de continuarem com suas crenças de origem. Formou-se assim o “sincretismo religioso”, ou seja, a associação entre o orixá e o santo da Igreja Católica. Os rituais eram realizados naturalmente nos terreiros das senzalas.
Com o tempo, alguns terreiros começaram a misturar os rituais do Candomblé com os da Pajelança, dando origem a um outro culto chamado “Candomblé de Caboclo”. Naturalmente, os Espíritos que se manifestavam eram os de índios e negros, que o faziam com finalidades diversas.
Do Candomblé primitivo, restou um tronco original que continuou fiel a suas raízes e que ainda hoje é a melhor linhagem de terreiros na Bahia e outros Estados do país.
O Candomblé de Caboclo, porém, degenerou-se na prática de baixa magia, conjuros, Canjerê, Catimbó, macumba e Quimbanda. Uma mistura de cultos que precisava sofrer a ação do progresso mas que não poderia ser pela influência da Doutrina Espírita, pois sua natureza abstrata e totalmente despida de rituais, afastava-a de tudo o que os praticantes dessas variantes do Candomblé estavam habituados.
Em 1908, por vontade dos Espíritos superiores, criou-se um movimento espiritualista, destinado a fazer progredir aqueles cultos primitivos nascido do Candomblé. Por meio do médium Zélio Moraes e do Espírito de um padre, chamado Gabriel Malagrina, na cidade de Niterói, Estado do Rio de Janeiro, nasceu a Umbanda cristã, bem brasileira.
O trabalho desse Espírito deu origem a uma linhagem de terreiros onde não se faziam rituais de sacrifícios, não se olhava sorte; os trabalhos tinham disciplina, com hora para começar e terminar; os adeptos eram convocados ao estudo do Evangelho de Jesus e a fazer a “caridade” junto do povo sofredor.
Esse culto deveria misturar-se na mentalidade dominante dos terreiros já existentes, enfraquecendo-a aos poucos quanto ao primitivismo e fazendo esses trabalhos progredir no mundo das idéias. Segundo Frei Malagrina, a Umbanda seria a manifestação do Espírito para a prática da caridade.
Ao contrário do Candomblé, a Umbanda admite a manifestação de Espíritos errantes, exatamente como no Espiritismo. Alguns terreiros fazem sessões de desobsessão e estudam as obras espíritas.
Fonte: http://estudoreligioso.wordpress.com
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